Por Vinicius Mesquita*
Em São Paulo
É mais um dia comum de trabalhos no Centro de Treinamento do Palmeiras. De um lado de uma grade com menos de meio centímetro de espessura estão os jornalistas. Do outro lado, estão os jogadores. Por aproximadamente 15 minutos, antes dos atletas entrarem em campo ou logo após o final dos treinos, um ritual de silêncio toma conta do local. Ninguém fala com ninguém. Jogadores caminham e jornalistas observam. A regra é essa: atletas só abrem a boca com permissão da assessoria de imprensa do clube.Em São Paulo
O Palmeiras não é exceção. Os outros grandes times do país seguem o mesmo procedimento supracitado. Mudam alguns detalhes. No lugar das grades, podemos encontrar um muro baixo, uma corda amarela ou uma faixa imaginária. Mas o silêncio é constante. Entrevistas? Só em coletivas, e geralmente com um ou dois atletas definidos pela assessoria de imprensa dos times.
“Antes tinha bastante repórter em campo. Hoje, está diferente. Temos mais privacidade”, diz o volante Marcos Assunção, do Palmeiras. “Está pior para os jornalistas, mas na Europa funciona assim. Como passei a maior parte da minha carreira na Europa, estou acostumado com esse regulamento.”
Não é apenas Marcos Assunção que usa o artifício do “padrão europeu” para legitimar os atuais regulamentos de relacionamento entre jornalistas e jogadores. Copiar a fórmula europeia, como se isso por si só significasse o caminho mais plausível para a perfeição, virou padrão entre os grandes clubes brasileiros.
“Já acontece assim no mundo todo. Isso é normal, é a organização no futebol", diz o zagueiro Lima, atualmente no Atlético-MG, mas que já defendeu o Betis, da Espanha.
E a situação ainda pode ficar mais complicada. A assessoria de imprensa do Palmeiras, por exemplo, defende que boa parte dos treinos também seja fechado à imprensa.
“O que acontece hoje é exagero. O treino deveria ser aberto uma ou duas vezes por semana. Jornalista não tem que acompanhar treino, não por ser proibido, mas só porque o jogador tem direito de trabalhar em paz, sem receber critica”, diz Helder Bertazzi, coordenador de comunicação do Palmeiras. “Se o jogador erra dois pênaltis, uma hora depois está na internet, ou tem jornalista fazendo critica ou sendo irônico.”
A força das redes sociais
Um pouco de saudade dos velhos tempos
-
Rogério Ceni: "Lembro que existiam repórteres que você sabia quem era. Estavam todos os dias aqui. Hoje tem tanta gente, e sempre mudando, que fica mais difícil saber com quem estamos falando."
-
- Cuca: "Achava antigamente mais legal. Lembro quando os repórteres entravam no vestiário do Grêmio e a gente estava quase pelado, com uma toalha. Eles faziam as perguntas no vestiário, e era legal porque estávamos no calor do jogo."
-
- Roberto Carlos:"Quem mais perde é o torcedor. Ele quer saber tudo sobre a vida dos jogadores. E tem muita gente boa na imprensa. Eu mesmo fiz amigos na imprensa. Existe um respeito mútuo."
Neymar, que boicota até rotineiras coletivas de imprensa organizada pelo clube, costuma desabafar pelo Twitter. Em um de seus posts, condenou a arbitragem de Sandro Meira Ricci após uma partida contra o Vitória. Neymar não estava em campo naquele dia e, minutos depois de o juiz ter assinalado um pênalti a favor do Vitória, surge em seu Twitter a frase “Juiz ladrão vai sair de camburão”. Não muito tempo depois, a frase foi retirada do ar. O jogador garante que a mensagem foi postada por um invasor.
Três jogadores do Santos também se envolveram em uma das maiores polêmicas do ano sem a contribuição da imprensa. Madson, Zé Eduardo e Felipe deram uma entrevista para torcedores através de um chat utilizando apenas a webcam de um notebook. Entre os mais notáveis desaforos, estão os proclamados pelo goleiro Felipe e pelo atacante Zé Eduardo.
Felipe disse que seus gastos em ração para cachorro se equivaliam ao salário mensal de um torcedor que o teria chamado de “mão-de-alface”. Zé Eduardo, que àquela altura falava com o companheiro Robinho pelo telefone, disse: “Pedalada [apelido de Robinho], segura. Sabe por quê? Depois do seu último jogo aqui no Santos ninguém vai sentir a sua falta. Ninguém vai sentir sua falta aqui no Santos.”
Foi necessário que o Santos organizasse um pedido de desculpas pelo Twitter oficial do clube para remediar o estrago. Espantado com as declarações dos colegas, Robinho, jogador acostumado ao assédio dos jornalistas, afirmou que seus colegas tinham “dito um monte de m...”
Assessores, os "anjos"
Os novatos são os que mais se assustam com o apetite dos jornalistas. Como jamais conviveram com repórteres sem o amparo de um assessor de imprensa, entram em pânico com a possibilidade de lidar com jornalistas sem a presença de um filtro.“É melhor blindar mesmo. O jogador pode falar muita besteira”, disse Dentinho, atacante do Corinthians. “Quando eu era pequeno, treinava comentários como se estivesse dando entrevistas. Pratiquei para não falar besteira. A imprensa escreve errado algumas coisas que falamos. Acho que esse cuidado da assessoria é bom. Estas pessoas (os assessores) são meus anjos da guarda.”
Jorge Wagner, lateral do São Paulo, conviveu com tempos de liberdade, quando os repórteres o chamavam para entrevistas diárias após cada treinamento sem a necessidade da aprovação de um intermediário.
“Hoje existe essa barreira, né? Você perde a intimidade com o jornalista. O relacionamento muda. Eu achava legal quando existia mais liberdade para falar”, disse Jorge Wagner. “Hoje não tem mais o convívio diário com os jornalistas. Mas acho que esta organização facilita para o clube.”
E Marcos Assunção, acostumado às restrições europeias, lembra com certa saudade dos velhos tempos de convívio com a imprensa brasileira: “Antes, no início da minha carreira, não dava confusão. Eu não achava”, lembra Marcos Assunção. “Mas se as pessoas que comandam o futebol acham que isso é melhor para nós, devemos seguir assim.”
Adeus bom senso
Em outro exemplo, após um dia treino do Corinthians, quando todas as atenções estavam voltadas para os movimentos de Ronaldo, Roberto Carlos, Dentinho, Elias ou Jucilei, a assessoria de imprensa escolheu o atacante Iarley para dar uma entrevista coletiva. Apenas ele, mais ninguém. Frustrados, os repórteres entraram na sala de imprensa como se estivessem caminhando para um recital peruano de flauta pan e se esforçaram ao máximo para imaginar questões para o jogador. A sala transbordava tédio e a única solução era sair de lá e procurar outra alternativa.Renato Gaúcho aprova



“Na época que eu jogava bola, os jornalistas podiam tentar falar com quem eles quisessem. O que adianta ter uma sala de imprensa bonita como essa do Corinthians se você não pode falar com quem quer? Está tudo plastificado. Olha a torcida, por exemplo, tem que ficar isolada, lá longe em uma ponta da arquibancada. Isso não é Corinthians mais, pô.”
Segundo assessoria de imprensa do Corinthians, é importante “unificar a informação” para evitar que os jogadores sejam “interpretados de maneiras diferentes pelos jornalistas”. O clube informa que o ideal é que o jogador se “comunique bem, e não fale muito.”
Rogério Ceni, que lembra até de nomes de antigos repórteres, avalia que o atual afastamento entre jogadores e jornalistas provoca o ambiente de impessoalidade. “Naquela época não tinha tanta gente. Agora existem várias emissoras de televisão, sites de internet, grandes e pequenos, e até patrocinadores. Olha lá como está a sala de imprensa!”, diz Ceni, apontando para a pilha de microfones, canetas e câmeras apontadas para o lateral Jorge Wagner.
“Outro dia, li uma frase em algum site que eu não tinha dito. Eu nem tinha dado a entrevista, mas a frase minha estava lá! Mas concordo que antigamente tínhamos um relacionamento mais glamoroso com a imprensa”, diz Ceni.
Alguns jogadores, como o lateral Roberto Carlos, do Corinthians, acreditam que os torcedores são os que mais saem prejudicados com o acesso restrito dos jornalistas: “Eles (os torcedores) querem saber tudo sobre nós. E são eles que mais perdem com o pouco contato dos atletas com os repórteres”, diz Roberto Carlos.
Mas a mesma opinião não é compactuada por Helder Bertazzi, coordenador de imprensa do Palmeiras:
“Existem uns quatro ou cinco que sabem se comunicar bem, com discurso inteligente, os demais são tímidos e não conseguem conversar direito. Mas você o coloca em frente a 30 jornalistas com as câmeras voltadas para ele e, muitas vezes, nada é publicado ou transmitido porque ele não disse nada de interessante e se criou um desgaste enorme. Muito pouco do que é dito por um jogador é aproveitado. Não acho que faz diferença pro torcedor se jogador falou ou não falou."
*Colaboraram Bruno Thadeu, Carlos Padeiro, João Henrique Marques, Luiza Oliveira, Renan Prates, Renato Cury, Rodrigo Farah e as redações de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Porto Alegre
Noticias de Agora / Futebol - 12/11/2010